segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O jardim das rosas douradas

O fim de tarde era lindo no Bosque das Rosas Douradas, a grama acinzentada entre as rochas pontiagudas, os altos carvalhos controlando a luz do Sol como excêntricos maestros, formando mil formas diferentes. Toda aquela beleza só era superada pelo medo que o local causava aos corações das pessoas, histórias e mais histórias de aventureiros que nunca retornaram de suas empreitadas criavam uma péssima reputação para o lugar.
Segundo as lendas dos mais antigos, as Rosas Douradas eram a materialização do poder do mundo, toda a energia que vazava do planeta por entre suas terras e pedras se formava em lindas rosas de ouro que conferiam ao seu portador uma capacidade enorme de prosperar na vida.
Hora ou outra, reis ou homens de muitos bens e muitas ambições, pagavam pequenas fortunas para famosos desbravadores saírem ao resgate desses artefatos naturais, tentando saciar suas vontades.

Em meio a todo aquele silêncio apenas uma silhueta se movia graciosamente, uma bela elfa que cantava e dançava por entre os velhos carvalhos sem a menor preocupação, quase ninguém aparecia por ali, ninguém a ameaçava, era a senhora de todo bosque e podia girar sob os pés quantas vezes quisesse.
Eliane tinha a leveza das plumas dos pássaros nos pés, mesmo o melhor rastreador jamais pensaria que alguém passara por ali. Os olhos negros e profundos contrastando com os cabelos dourados, brilhantes como as mais belas jóias. As mãos finas mostravam sua pele esverdeada, subindo e descendo, acompanhando o formato de seu corpo esguio. Para qualquer homem aquela era a visão de uma das mais poderosas ninfas, irresistível.
Seguia por seu caminho tortuoso e complicado com a sabedoria de quem o viu se formar e modificar pelos tempos, mal se deixava encostar nos galhos das árvores, braços esticados para cumprimentá-la. Pisava em fendas imperceptíveis nas pedras, e rapidamente já estava em cima daquela grande rocha pontiaguda.
Lá de cima da pedra ela podia avistar seu santuário, seus amigos, sua razão de viver.

Atravessou o grande portal esculpido em pedra brilhante checando-o como uma curadora de alguma obra de arte. Mais de perto pequenas runas douradas surgiam entre as pedras, encaixadas cuidadosamente, e ela fazia questão de tocar todas que alcançava.
Do outro lado do arco, o sol refletia em perfeitas estátuas douradas, homens de armas, seres escondidos em mantos segurando longos cajados, pequenos animais, diversas formas em ouro maciço.
Olá Ardori, como anda esse braço forte? – perguntava ela à estátua de um robusto anão enquanto acariciava seu musculoso braço.
Desviou e foi em direção a um belo manto adornado.
E você minha amiga? Ainda não terminou esse feitiço? – disse a bela elfa com um tom quase maligno.
No fim do caminho, protegido por inúmeras estátuas, um lindo canteiro de rosas cor de ouro se mostrava imponente, brilhante como mil estrelas.
Toda aquela imagem, pessoas estáticas “adorando” seu solo sagrado, amolecia o coração de Eliane, ela ajoelhou-se perante as rosas e mostrou todo o respeito que tinha em sua existência. Ficou imóvel por alguns minutos, as palmas das mãos juntas na frente do rosto, a face séria mostrava uma infinita concentração, uma enorme devoção.

E no ápice de sua adoração, um quase mudo ruído, um pequeno partir de galhos a trouxe de seu transe profundo.
Tão rápido quanto tinha chegado aquele som aos ouvidos da formosa elfa, ela se colocou em estado de alerta máximo.
Virou-se rapidamente e começou a correr em direção aos carvalhos, recitou algumas palavras e foi ficando transparente, antes de cruzar o arco ninguém mais podia vê-la.

Há muitos metros dali dois homens e um anão tentavam não fazer barulho enquanto caminhavam, o que era inevitável dada as suas grandes e lustrosas armaduras.
- Tomem cuidado homens, a criatura que habita essa floresta não deve estar muito longe, estamos em perigo desde o momento que decidimos vir buscar flores nesse lugar, se é que elas existem – disse o forte rapaz empunhando sua espada logo à frente.
- Nenhuma coisa vai derrubar esse anão, nunca deixei de terminar um trabalho, nenhum oponente sai vivo da luta contra meu machado! – disse o anão enquanto acariciava a longa barba ruiva.
O segundo homem, mais baixo e mais magro que o outro, seguia com um pequeno arco em posição de alerta um pouco atrás dos dois guerreiros, os olhos atentos, seguindo todas as sombras ali presentes só pararam para olhar os companheiros enquanto resmungava - Se não se calarem eu mesmo matarei os dois e ficarei com toda recompensa, querem entregar nossa posição? – disse ele com tom severo.

Lá no alto, empoleirada em um dos carvalhos, Eliane observava todos os movimentos dos homens na empreitada. A forma de andar, dos cabelos às botas tudo era analisado friamente. Imaginava-os adorando suas rosas, protegendo-as dos invasores, fazendo-lhe companhia nas lindas manhãs ensolaradas em seu santuário.
- O homem da espada ficará bem ao lado de Ardori, os outros são dispensáveis! – disse para si mesma enquanto saltava para outro ponto nas árvores procurando um ângulo melhor.
Inclinou-se para trás e aproveitando o leve balançar da árvore saltou em um forte galho há alguns metros do chão, ainda sem se mostrar ou fazer qualquer ruído.
Segura em forma invisível, agitou ás mãos e recitou as palavras cabalísticas - Anák pietrish anák visush, venha para mim forte guerreiro, venha para sua luta esperada – e sorriu um sorriso “secreto”.

A vista do grande homem se tornou grossa por um breve segundo, e logo em seguida, após várias piscadelas retornou a ser nítida novamente.
Parado de costas para os companheiros, começou a ouvir bem perto alguns barulhos bem conhecidos, os sons das feras que já havia enfrentado inúmeras vezes, monstros que ele realmente odiava, orcs estavam muito próximos.
- Silêncio! – disse ele inclinando seu braço para traz, na direção de seus companheiros – Existem orcs nessa floresta e estão muito próximos.
Logo após avisar seus amigos, ouviu, como se fosse uma resposta, um grunhido bem alto em suas costas. Bastou girar seu tronco para dar de cara com as feras que ouvira a pouco, estavam ali em sua frente, uma portando um velho e sujo machado, e outra com um arco envergado com flechas negras.
Curiosamente mantinham um posicionamento incomum para os de sua raça, até desvantajoso do ponto de vista dele, pareciam desconcentrados, mas ele não pensou duas vezes, investiu com todas as forças contra o mais alto, portador do pequeno arco.
- Por Cilendel, morra criatura asquerosa! – voou com a bela arma com a lâmina direcionada ao pescoço, aquela monstruosa figura teria seu fim.
Um golpe foi o bastante, o sangue negro e grosso tirara todo o brilho da espada lustrosa, enterrada na jugular do monstro horrendo, afogando seus grunhidos. Enquanto o arco se soltava das mãos do orc um outro grunhido ele ouvia, a criatura portadora do machado havia começado a gritar desesperada, gesticulando para o guerreiro.
O forte homem, preparado com sua arma, começou a fitar o orc sem dizer palavra alguma, era uma das situações mais incomuns de toda sua vida, um monstro selvagem reclamando a morte de um companheiro sem atacar, algo realmente diferente da realidade.
Começou a lhe ocorrer que aquilo tudo poderia ser alguma feitiçaria da criatura que habitava a floresta, destruidora de condecorados soldados.
Decidiu observar o pequeno orc, queria desvendar todos os gestos, aquilo era muito estranho.
O monstro caminhou em sua direção, emitindo sons terríveis, mas ele se manteve parado, operando sua mente ao máximo, reparando cada novo signo que surgia. A criatura chegou mais perto, o cheiro dela não era tão forte, foi algo que ele percebeu rapidamente, mas ainda era repugnante e muitas vezes ele evitou olhar aquela cara toda deformada.
Próximo demais, o orc encostou as mãos na armadura do forte guerreiro.
Os olhos do honrado homem de armas se encheram de raiva, aquele monstro que saqueou tantas vezes a vila em que cresceu, que estuprava as mulheres, tocando sua armadura, fez desaparecer toda a disciplina para esperar, curvou o braço e lhe atravessou a espada pontiaguda por todo o estomago.
O sangue quente encostou em suas mãos, e tão rápido quanto pode sentir, sua visão se tornou opaca novamente.
Piscou, piscou, e ao abrir os olhos todo o desespero entrara em seu coração. Seu amigo de longa data, o valoroso anão, morto com sua espada enterrada no estomago, encharcado em sangue, o mesmo sangue que molhava suas mãos. Ao lado, um pouco afastado, seu outro companheiro degolado.
Colocou as mãos na cabeça, mal podia acreditar no que tinha feito, matara seus companheiros friamente, algum feitiço havia lhe pegado de jeito, e o pior, estava desconfiado desde o início.
Desabou de joelhos com os olhos cheios de lágrimas, buscava algum conforto pela morte de seus fiéis amigos.
O silêncio do bosque invadiu seu coração, apertando-o como uma morsa de ferreiro.
Fechou os olhos enquanto o sangue de seus amigos secava em suas mãos, puxou uma adaga de sua bota e direcionou ao peito, ia lhe tirar a própria vida, o jeito mais fácil de saldar sua dívida com seus companheiros, mas antes de cravar a lâmina em sua carne pode ouvir há alguns metros dali um som seco, algo havia aterrissado no chão, era o que seus conhecimentos na floresta indicavam.
Esgueirou-se por entre os troncos das árvores observando todo o terreno, sabia que se fosse enfrentar a temida criatura deveria saber os pontos onde levaria desvantagem.
De repente, no centro de uma clareira, uma mulher ajoelhada havia aparecido sem fazer qualquer ruído. Ele tinha certeza que já tinha visto aquele local e que mulher alguma estava ali, era uma armadilha ou algo assim, a criatura queria enganá-lo novamente.
Lançou com todas as suas forças a adaga que estava em suas mãos, tinha certeza que poderia feri-la ou pelo menos tirá-la daquele local suspeito.
A lâmina assoviou enquanto viajava pelo ar, e tal qual facilmente cortou o vento por entre os troncos das arvores, também passou pela mulher, que desapareceu rapidamente.
Uma risada maligna, mas também satisfeita foi ouvida no local, em alto e bom som.
O forte homem virou-se e mais perto do que imaginava, uma mulher com longas madeixas douradas e olhos vermelhos aterrorizantes ria e debochava de sua frustrada tentativa.
- Bruxa maldita, lavarei minhas armas com seu sangue, assassina! – gritou o guerreiro enquanto investia com sua espada naquela direção.
Saltou com todos os músculos tencionados, aquele seu golpe era poderoso o bastante para cortar um capitão orc ao meio.
Facilmente a espada atravessou a mulher, e ele ainda de olhos fechados pela potência do ataque já se sentia frustrado novamente, havia se lançado contra outra imagem.
A ilusão se dissipara, e aquela mulher aterrorizante começava a correr para dentro da floresta, rindo docemente como uma criança.
Correu com todas as suas forças, nem pensou em se poupar para uma batalha, precisava cravar sua espada naquele ser maligno o mais rápido possível.
Saiu da floresta fechada ainda em perseguição, acreditava ser capaz de alcançá-la, apesar de perceber a graciosidade em que corria, a mulher parecia se exibir.
Rompeu sua atenção por um breve momento para observar o lindo arco adornado por onde passava e perdeu sua presa de vista.
Forçou suas pernas uma ultima vez, acreditava que havia diminuído seu ritmo ao observar a grandeza daquele portal, e logo se viu bem no centro de um belo jardim com dezenas de estatuas douradas.
- Cortarei sua cabeça bruxa maldita, e seu corpo será queimado em honra aos meus bons amigos! Esse será o seu fim! – gritou o guerreiro ofegante.
Caminhava agora pelo jardim com muita dificuldade, a perseguição o esgotara e sua armadura parecia muito mais pesada do que o normal.
Seguiu para o centro por um caminho entre as estátuas e a cada novo passo que dava se sentia mais cansado.
Parou para respirar, mas manteve uma posição de alerta, pernas afastadas a espada empunhada em frente ao rosto.
Um aroma de rosas invadiu suas narinas e logo em seguida enxergou uma doce donzela de cabelos dourados há alguns metros à frente.
Ela caminhou em sua direção lentamente sem fazer ruído algum, seu sorriso era até mais lindo que a luz dourada que invadia seus olhos.
Rapidamente percebeu do que se tratava, outra vez ela tentava enganá-lo, mas agora estava preparado, afinal de contas um guerreiro treinado nunca é pego tantas vezes com o mesmo truque.
Permaneceu imóvel até ela ficar bem próxima, precisava de um golpe certeiro, aquele seria o bote que tanto esperava, cortaria a cabeça da bruxa com apenas um girar de lâmina.
A donzela jogou os cabelos de lado, deixando o colo à mostra, era o momento certo, seu alvo em perfeita visão e distância.
Tentou desferir o golpe, mas era inútil, seu corpo não lhe respondia mais, estava paralisado, nem mesmo seus olhos o obedeciam.
Com um lenço nas mãos ela limpou o sangue de sua espada e logo em seguida de sua armadura, e ele foi vendo seus braços e mãos ficarem em tons amarelados.
Rapidamente todo seu corpo já estava dourado e antes de seus olhos escurecerem pode observar o belo rosto daquela donzela, enquanto ela lhe beijava.

- Seja bem vindo ao meu jardim, belo guerreiro. Aqui poderá ficar perto das rosas que tanto deseja. – disse a donzela antes da escuridão entrar em seus olhos.

Autor:Neto
Tema:Elfa, feiticeira, que vive em um bosque....
Desafiante: Rockão Gobi