quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Entre a Sombra e a Escuridão

"... Seus olhos negros, negros olhos...
não brilham sob a luz do luar.... "







Parte I

Como de costume as moças que trabalhavam na criação de marrecos vinham conduzindo seus barulhentos pertences pela viela. O som dos grasnados podiam ser ouvidos ao longe, assim como o rastro de lama que vinham deixando, era visível ao largo. Não demoraria muito para anoitecer e os marrecos deveriam ser levados para evitar prováveis perdas, fossem essas por conta de lobos ou por algum gatuno que por ali resolvesse passar. Era um trabalho simples, embora sujo e as moças que o faziam sempre estavam com as barras de seus vestidos encharcados. Elas eram conhecidas como as damas dos marrecos; apelido dado a elas pelos guardas do vilarejo.

Essa tarefa era quase um ritual, realizava-se logo pela manhã e ao entardecer, sempre com os mesmos participantes, no que mais parecia uma grande procissão composta por algumas moças e incontáveis marrecos. Sempre pelo mesmo caminho, das pastagens de juncos, passando pela estrada do velho moinho na colina, atravessando o riacho e terminando nos celeiros do outro lado do vilarejo.

O caminho da colina era muito pouco usado, somente as moças o utilizavam com maior freqüência. Outrora o moinho servia para a compensação dos grãos produzidos no vilarejo, no entanto ele deixou de ser usado quando a produção de grãos diminuiu e as pragas atingiram a região arruinando as colheitas.

Mesmo não sendo utilizado o velho moinho ainda apresentava sua estrutura forte e elegante, a moda dos moinhos sulistas. Se não fossem os braços das velas, podia-se dizer que era uma torre no alto da colina com paredes avermelhadas e pequenas janelas brancas. Quase todo o caminho de pedras da colina estava agora tomado pela grama, restando apenas algumas pedras à mostra e um ou outro palanque, que um dia pertencera a alguma cerca; vez ou outra uma capivara de três listras era vista pastando tranquilamente em meio ao gramado.

Sempre ao entardecer as moças paravam para observar o velho moinho, enquanto os marrecos nadavam no riacho a caminho do vilarejo. Algumas nuvens no céu tingidas pelo entardecer davam ao moinho uma atmosfera romântica e bucólica, parecida com as baladas sobre castelos e palácios, onde habitavam princesas e príncipes.

A mais baixa das moças e também a mais rechonchuda, tirou as outras amigas do devaneio para que fossem embora apontando para os marrecos que começavam a voltar pela estrada. Sobressaltadas começaram a chamar os marrecos e a tocá-los para a direção correta, ao atravessarem o riacho iniciaram um duelo, borrifando água uma nas outras, em meio aos marrecos que fugiam assustados com a algazarra.

Despertado pelo som dos marrecos, Arélio fechou o livro no qual estava concentrado, ajoelhou-se na cama e olhou pela janela para ver o que acontecia colina abaixo. Do alto do velho moinho podia observar a cena, onde as moças que trabalhavam no pastoreio dos marrecos brincavam no riacho ao entardecer. Ficou ali por um tempo observando, sorrindo sozinho. Um ruído vindo de dentro fez com que ele voltasse a si. Olhou mais uma vez as moças no riacho, e voltou-se para dentro do quarto. Sentado na cama espreguiçou-se, tentou adivinhar que horas poderiam ser. Sabia que já era tarde, pois seu quarto estava quase escuro.

Aproveitando a penumbra do entardecer Arélio abriu a pequena gaveta do criado-mudo ao lado da cama e tirou uma caixinha de metal enferrujado, de formato ovalado, não maior que um palmo de tamanho. Algumas letras estranhas eram visíveis na parte superior da pequena caixa e a forma de um grifo descascado pelo tempo adornava o centro do objeto, uma observação mais minuciosa com certeza revelaria que o grifo já fora revestido de ouro, mas Arélio não ligava para esse detalhe. O pequeno relógio era presente de seu Magister e ele o guardava como um tesouro. Relógios eram objetos muito raros, uma arte quase esquecida depois das Guerras Dracônicas.

Arélio delicadamente abriu a tampa do velho relógio para verificar as horas, diferente do exterior, o interior do pequeno relógio ainda preservava sua beleza, um círculo de ouro no centro da caixa servia como base para os números, desenhados em estilo antigo, em um tom muito escuro, do lado direito superior um pequeno sol com seis raios brilhava em um tom vermelho, quase que apagado, alertando que o dia estava por findar-se, do lado esquerdo inferior uma pequena lua crescente começava a brilhar. Arélio sabia que a lua era preenchida com um diamante esculpido naquele formato e o circulo do sol era feito com um rubi, cada um dos símbolos brilharia de maneira alternada, um para o dia e outro para a noite. Vários emblemas feitos de prata ornavam o interior da caixa, mas Arélio não sabia o significado de nenhum deles. Mas o que mais poderia chamar atenção no relógio eram seus quatros ponteiros, dois para as horas e outros dois que pouco se moviam.

Arélio conferiu as horas e fechou o relógio guardando-o novamente na gaveta do pequeno móvel. Quase não era possível enxergar devido a escuridão e Arélio tateou o criado-mudo em busca da lanterna de óleo de lontra, ao achá-la riscou um dos últimos fósforos que ainda restavam na gaveta e a ascendeu. A luz preencheu o pequeno quarto, Arélio não era rico e seu quarto era simples. Uma pequena cama, um criado-mudo, uma estante improvisada com algumas tabuas, alguns poucos livros, uma mesinha de canto e um baú que fazia a vez de banco. Havia também uma pequena espada que ele mantinha atrás da porta, mas que nunca a usava, a não ser para brincar quando era criança.

Após arrumar seus pertences Arélio pegou seu gibão conferiu algumas moedas no bolso que na verdade era apenas uma e, foi em direção as escadas.

Os últimos raios de sol iluminavam o interior do moinho, criando uma atmosfera de sombras. A penumbra já tomava conta de tudo, alguns morcegos que ali faziam sua morada já saiam para a caça noturna.

O interior do velho moinho era escuro e ideal para um esconderijo contra a luz do dia, algumas andorinhas também costumam fazer seus ninhos no interior do moinho no inicio da primavera, mas estavam vazios agora, apenas os morcegos o habitavam.

Dos andares inferiores subiam os vapores da cozinha e, com eles vinham os aromas dos pães que saiam do forno.

__ Arélio! __ gritou uma voz vindo de baixo.

__ Estou indo, estou indo. __ respondeu ele descendo as escadas com os morcegos voando ao seu redor.

Desde que a casa que morava com sua avó fora misteriosamente destruída por um incêndio, Arélio e sua avó tiveram que se mudar para o velho moinho da colina. Não era uma mansão, mas era melhor que morar no estábulo da guarda.

Como o moinho não funcionava mais, ele foi oferecido pelo antigo proprietário para que não ficassem na rua.

Arélio havia estudado a tarde toda em seu quarto no alto do moinho, estava com os olhos cansados de tentar decorar uma intrigada formula mística. Embora não parecesse Arélio era um iniciado nas Artes Esquecidas. .

Ao chegar à cozinha, sua avó já o esperava com os cestos carregados de pães. Era ela a responsável pelo abastecimento da cozinha da guarda local. Ela passava todas as tardes assando pães que eram levados no início da noite pelo neto até a torre de vigília central no vilarejo.

Dona Katherin,como era conhecida, fazia os melhores pães de todo vilarejo. Dona Katherin era uma senhora de idade avançada, mas com uma saúde de ferro e uma disposição de fazer inveja.

Mas a vida não era benevolente com ela, privando-a de seus familiares, primeiro seu marido, Jah’yr que morreu em batalha defendendo o vilarejo e depois sua filha, Thássia, que desapareceu misteriosamente logo após dar a luz a Arélio.

Diziam as más línguas que sua filha havia fugido com um elfo, o qual seria o pai de Arélio.

Isso sempre se complicava, pois Arélio apresentava orelhas levemente pontiagudas, como os elfos. E quando questionada sobre o assunto, nunca conseguiam respostas. Dona Katherin não falava sobre esse assunto, para ela o que importava, era que seu neto estava lá e isso para ela era muito mais que o suficiente. Isso a fazia feliz.

__ Já esta tudo pronto meu querido, por que demorou?__ perguntou a velha arrastando uns dos cestos até a porta ao ver que o neto havia chegado. __ Ruffus esta ansioso a sua espera.

__ Desculpe... __ respondeu Arélio distraidamente.

__ Ruffus ansioso? __ pensou ele consigo mesmo __ Só se for para ir para a cova.

__ Aposto que estava lendo aqueles livros velhos e mofados, não é? __ repreendeu a avó sacudindo o avental sujo de farinha.

Arélio apenas sorriu com o canto da boca e foi pegar o restante dos cestos que estavam perto do forno.

Para sorte de Arélio ele e sua avó tinham uma pequena carroça, o único pertence que não fora destruído pelo incêndio e é claro, o velho cavalo de guerra de seu avô, Ruffus. Mas os anos de batalha de Ruffus a muito já tinham passado e, agora as únicas batalhas nas quais ele entrava era a de puxar a velha carroça colina acima.

__ Pronto minha senhora. __ disse o jovem, fazendo uma reverência à avó com um ar zombeteiro no rosto, como quem cumprimenta algum nobre importante. __ Quer mais alguma coisa do vilarejo?

__ Não, hoje não. __ disse ela enquanto recolhia algumas vasilhas pela cozinha, embora sua atenção estivesse virada para a porta.

__ Você não vai dar um jeito nesse cabelo antes de ir até o vilarejo? __ perguntou ela caminhado em direção a porta. __ Venha até aqui que eu arrumo para você.

__ Não, não é necessário... __ disse Arélio rapidamente, passando as mãos sobre o cabelo na tentativa de arrumá-los, enquanto caminhava em direção a carroça.

__ Arélio você tem que perder essa mania boba de não querer olhar para sua imagem no espelho __ gritou a velha na porta do moinho. __ Não há nada no espelho a não ser você mesmo! Desse jeito vai morrer sem uma esposa e olha que eu já estou velha e não vou durar muito. Trate de começar a se arrumar para arranjar uma noiva!

Mas Arélio não deu ouvidos e saiu com a carroça o mais rápido que pode.

Arélio tinha aversão com sua própria imagem refletida no espelho. A mera menção sobre ele ter de olhar para o espelho fazia com que ele entrasse em pânico. Ele evitava a qualquer custo o contato com seu próprio reflexo.

Isso fazia com que Arélio fosse visto como um jovem diferente e estranho. Muitos dos moradores do vilarejo costumavam zombar dele por conta desta sua fobia. Devido a este problema Arélio sempre estava como os cabelos desarrumados.

Ruffus puxava a carroça preguiçosamente ladeira abaixo e Arélio parecia não se preocupar com a rapidez com que ele fazia seu trabalho, deixando-o guiar sozinho.

O velho cavalo sabia o caminho melhor que os moradores mais velhos do vilarejo e por tanto poderia fazer o caminho como bem lhe conviesse.

__ Já esta um tanto escuro não acha velho Ruffus ? __ perguntou Arélio ao velho cavalo, enquanto olhava ao redor. __ Que tal um pouco de luz?

Ruffus apenas mexeu as orelhas em resposta e continuou sua lenta marcha.

__ Esta bem então, já que você insiste. __ respondeu Arélio colocando-se de pé na carroça.

Uma brisa soprou desarrumando ainda mais seu cabelo, mas o jovem apenas fechou os olhos e respirou fundo concentrando-se.

Arélio tirou do bolso o que parecia ser uma bolinha de gude e a colocou entre seus dedos, levantando a mão para o alto disse:

__ A limine antiquo absconditum mentis invocat ad me honorem Luminus Orbe!

A pequena esfera em sua mão piscou em um lampejo e começou a brilhar, iluminado toda carroça. Arélio então apontou para a direção da cabeça de Ruffus e a esfera brilhante flutuou até o ponto entre as orelhas do velho cavalo e parou. Ruffus agora podia ver o caminho perfeitamente com a nova claridade sobre sua cabeça. Ele apenas bufou em sinal de agradecimento e continuou a puxar a carroça, mais animado agora.

Varias mariposas do brejo apareceram em torno da carroça atraídas pela luz emitida pelo orbe luminoso. Vez ou outra uma era abocanhada por um morcego, que surgia das sombras, de forma rápida e silenciosa.

Arélio deitou-se no banco da carroça para observar as estrelas enquanto Ruffus levava a carroça na direção do riacho. O balançar da carroça na velha estrada do moinho, fazia Arélio lembrar-se das brincadeiras na cadeira de balanço de sua avó.

Assim que chegou ao riacho Ruffus foi levemente diminuindo o passo ao entrar na água, parando para matar a sede. O coaxar dos sapos e rãs podia ser ouvidos por todos os lados, inúmeros, cada um com sua peculiaridade, uns agudos e outros graves.

Arélio não tinha notado, mas desde que saíra do moinho algo o vinha seguindo à beira da estrada. Dois pequenos olhos brilhantes o observavam atentamente em meio ao capim alto.

Sorrateiramente a criatura deslizou por entre o capim e foi para a parte de trás da carroça. Ruffus e Arélio nem se deram conta de que algo havia saído do mato e entrado por baixo da carroça, cada um perdido em seus próprios devaneios.

Com uma agilidade surpreendente a criatura subiu na carroça e saltou por cima de Arélio. Duas presas brancas e brilhantes apontaram quando a pequena criatura pulou e ginchou.

Arélio não teve tempo de agir e foi surpreendido pela criatura que havia saltado sobre ele. Ele apenas teve tempo de gritar assustado, levantando as mãos em defesa sobre o rosto.

Arélio sentiu o peso da criatura, ela estava com as patas molhadas de lama e cheirava a peixe. A criatura rosnava e fungava em cima de Arélio.

Naquele momento Arélio pensou que estava tudo acabado e não tinha coragem de fitar seu agressor. No entanto, o momento começou demorar a passar e os ataques que ceifariam sua vida não vieram. Arélio começou a estranhar, ao invés de mordidas a criatura começou a farejar e lamber as pontas de seus dedos, como se procurasse algo que havia perdido. Ao entreabrir os olhos ele viu um grande nariz que o cheirava incessantemente e dois olhos curiosos rodeados por uma máscara negra. Mas foi somente quando a criatura bateu suas duas patas nas mãos de Arélio, como faz uma criança ao pedir atenção de um adulto, que ele percebeu que a criatura era Pan, seu guaxinim familiar.

__ Eu vou matar você Pan! __ gritou Arélio levantando-se rapidamente, enquanto o guaxinim pulava gritando do banco da carroça caindo sentado em uma moita de capim.

__ Vamos Ruffus! __ disse Arélio irritado ao cavalo, pegando as rédeas e batendo-as em suas costas.

O velho cavalo sobressaltou-se com o comando e saiu em marcha rápida.

__ Pan, vá para casa. Agora! __ exclamou ele furioso para o guaxinim.

Pan piscou rapidamente como se saísse de um transe e assim que a carroça saiu tratou de segui-la o mais rápido que pode.

No tempo em que a Arte florecia, seus manipuladores diziam que um guaxinim nunca seria um bom familiar, devido a sua natureza curiosa e seu estomago sem fundo. Pan, não era uma exceção, era sem sombra de duvidas muito mais curioso que o normal e com um apetite cavalar. Essa curiosidade exacerbada sempre o colocava em situações cômicas, mas era sempre Arélio que pagava por suas traquinagens.

Certa vez durante os preparativos do casamento da filha do prefeito, a taça cerimonial de casamento – nas cerimônias nos condados interioranos era um costume dos noivos fazerem um brinde a nova vida que estavam começando com uma taça. –, esta desapareceu, Pan havia pego a taça e carregado até o riacho, quando o encontraram, ele estava usando-a para por caramujos. O prefeito ficou enfurecido e jurou que o transformaria em um chapéu caso o encontrasse novamente. Arélio se desculpou pelo fato, mas não foi à festa de casamento devido ao tamanho constrangimento.

Comenta-se no vilarejo que no momento dos noivos fazerem o brinde de comemoração os convidados fizeram cara de nojo ao lembrar-se dos caramujos que Pan havia colocado na taça.

Outro fato que Arélio procurava não se lembrar foi um acontecimento que ocorreu durante a feira anual do lírio. Arélio havia ido à feira para assistir as apresentações e Pan o acompanhava. Durante uma das apresentações Pan se enfiou embaixo do vestido de uma das damas dos marrecos, após muito estardalhaço e inúmeros gritos, ele saiu, não sem antes arrancar a combinação da pobre moça.

Sem se dar por contente ele se pôs a correr com as vestes em meio à praça. Houve uma aposta para ver quem conseguia agarrar o guaxinim atrevido.

Após muita correria o prefeito conseguiu agarrar Pan quando este passava por de baixo de um banco, ganhando a aposta. Junto às vestes estava uma carta de amor escrita pelo taverneiro do Marreco de Fogo, o qual era casado. Pan estava muito interessado na carta, mas o prefeito não deixou o guaxinim ficar com ela e após muita insistência dos presentes ele a leu.

A moça nunca mais foi vista no vilarejo, dizem que ela se atirou em um poço. Arélio prefere acreditar na história que ela foi morar com uma tia em Beralta.

O taverneiro? Bem, essa já é uma outra história...

Devido a esse fato, agora todos os anos, durante a feira anual do lírio ocorre a caçada ao guaxinim, onde um guaxinim é posto para correr com uma sacola de moedas presa no pescoço. Durante os dois últimos festivais o próprio Pan fez o papel do guaxinim, dando muito trabalho aos competidores.

Logo após o riacho a estrada inclinava antes de chegar ao vilarejo, nesse ponto Ruffus puxava a carroça lentamente, como se fizesse um trabalho muito penoso. As rodas da velha carroça rangiam em contato com as pedras da estrada, dando a impressão que estavam se partindo. O relinchar de um outro cavalo na estrada, fez com que Arélio saísse de seu estado de desagrado. Rapidamente o cavalo que vinha se aproximou da carroça e Arélio a parou.

__ Salve! __ disse com voz forte o cavaleiro que vinha montado.

__ Salve. __ respondeu Arélio timidamente olhando para o chão.

__ Estava indo até o moinho para avisar Dona Katherin e você que os ciganos chegaram hoje de manhã e, que haverá festa hoje à noite. __ completou o cavaleiro.

__ Ah, obrigado. __ disse Arélio, agora olhando para o cavaleiro ao lado da carroça.

O cavaleiro olhava para Arélio como se o conhecesse de longa data, com um leve sorriso nos lábios e olhar terno.

__ E como você está? __ perguntou o cavaleiro. __ Vejo que anda treinando. Completou apontando para o globo de luz próximo a cabeça de Ruffus.

__ Eu estou bem obrigado. __ disse Arélio com um sorriso. __ Sim, tenho treinado um pouco.

__ Bom, vejo que você está levando os pães para a guarda. Então vou até o moinho para avisar Dona Katherin sobre a festa. __ disse o cavaleiro olhando para os cestos de pães.

__ Você irá ficar para a festa depois da entrega não é? __ perguntou o cavaleiro ajeitando-se na sela.

__ Vou, vou sim. __ respondeu Arélio rapidamente como se perguntado sobre algo ao qual não estava pronto para responder.

__ Ótimo, nos vemos lá então. __ disse o cavaleiro saindo.

__ Hans! __ disse Arélio ao virar-se para trás levantando na carroça.

__ O que é? __ disse o cavaleiro virando-se na sela.

__ Não, nada esquece... __ disse Arélio novamente sentando-se na carroça. __ Melhor eu ir entregar os pães.

Arélio apenas fez um leve gesto com as rédeas e Ruffus começou a andar.

O cavaleiro ficou olhando enquanto a carroça subia pela estrada.

Assim que a carroça desapareceu no alto da ladeira ele virou-se e saiu a galope em direção ao moinho.

Pareceu uma eternidade para Arélio enquanto a carroça subia a ladeira, mas foram apenas alguns minutos e eles já se encontravam na rua da ponte. A rua possuía esse nome devido ao fato que outrora onde passa o riacho havia uma ponte que fora levada embora por uma enchente. A rua da ponte era famosa por suas lojas e estabelecimentos. A vida econômica do vilarejo se encontrava nessa rua, tudo que podia ser negociado era encontrado ali, tudo que se podia encontrar no vilarejo é claro.

Com a chegada dos ciganos a rua estava movimentada e varias lojas ainda se encontravam abertas, apesar do horário, normalmente elas fechavam ao entardecer.

Os ciganos eram sempre bem vistos quando chegavam ao vilarejo e este fato era comemorado com festa.

A vida no vilarejo era muito simples e a chegada de visitantes era sempre algo a se comemorar. O prefeito fazia questão que os ciganos ficassem na praça sempre que eles apareciam.

Era costume os moradores enfeitarem a praça para as comemorações; lanternas, fitas coloridas e flores eram arrumadas pelas mulheres. Antes mesmo do anoitecer a praça já estava enfeitada e, madeira para uma grande fogueira já estava cortada e empilhada no centro da praça. Não só a praça era enfeitada, mas todo vilarejo, os moradores costumavam colocar em suas janelas toalhas bordadas com o brasão do vilarejo; dois marrecos e o lírio do brejo. Todos participavam e os moradores que viviam mais afastados eram avisados da chegada dos ciganos, para que pudessem participar das comemorações.

Ao subir a rua da ponte Arélio se viu em frente à praça. As lanternas já a iluminavam, cada qual com sua cor.

As carroças dos ciganos estavam todas arrumadas em um grande circulo em torno da praça. Embora os ciganos fossem vistos com bons olhos no vilarejo seus semblantes ainda eram soturnos e sombrios.

Muitos dos ciganos olhavam para Arélio quando ele passava e apontavam para o Orbe Luminoso que flutuava sobre a cabeça de Ruffus. Conversavam em seu estranho dialeto, tornando-os ainda mais misteriosos.

Arélio sempre tinha a impressão que estava fazendo algo errado quando os ciganos viam seus truques e isso sempre se repetia toda vez que eles apareciam. Seu velho Magister sempre o advertia para que tomasse cuidado com seus poderes e não os mostrasse para qualquer um, mas no vilarejo todos sabiam e ele nunca teve grandes problemas devido a esse fato.

O numero de ciganos nessa visita era maior que nas últimas vezes, isso significava que um grande clã estava reunido no vilarejo.

Havia muitas bandeiras sobre as carroças, com vários desenhos que identificavam os clãs aos quais elas pertenciam. Arélio tentava descobrir o nome dos clãs que estavam reunidos ali, mas a hierarquia das bandeiras era muito complexa e ele não as compreendia. No entanto sabia que era importante dado ao número de ciganos e bandeiras hasteadas.

O vilarejo estava bem iluminado e Arélio então viu que sua magia já não era mais necessária. Levantou-se na carroça e apontou para o orbe dizendo:

­­__ Cessat Effectus Luminus Orbe!

A esfera brilhante que pairava sobre a cabeça de Ruffus piscou em um lampejo e desapareceu.

Antes mesmo de Arélio sentar, quatro ciganos haviam surgido ao seu redor. Dois deles se preparavam para subir na carroça enquanto um terceiro segurava as rédias de Ruffus.

O quarto cigano, que parecia ser o chefe, fitava Arélio, com a mão no cabo da faca em sua cintura. Com um movimento de cabeça os dois homens que subiam na carroça sacaram suas facas. As luzes das tochas na rua fizeram com que as facas brilhassem.

Os transeuntes entre olhavam-se e um burburinho se formou na rua.

__ Parem, o que o jovem Arélio fez? __ perguntou a velha Margareth, parenta em terceiro grau de dona Katherin.

__ Ele não estava fazendo nada. Por que estão prendendo ele? __ perguntou outra em meio ao povo que começava a se aglomerar em volta da carroça.

Mas os ciganos não deram ouvidos aos moradores do vilarejo e continuaram a cercar a carroça.

__ Parados aí mesmo, não toquem no garoto! __ gritou um dos guardas que vinham em direção ao grupo de pessoas.

Ao ver que os guardas se aproximavam os ciganos pularam da carroça e foram em direção a praça.

Os moradores ficaram assustados e intrigados com a forma que os ciganos agiram.

Em minutos o comentário espalhou-se pelo vilarejo.

__ Está tudo bem Arélio? __ perguntou um dos guardas ao chegar próximo a carroça.

Arélio apenas balançou a cabeça positivamente.

__ O que eles queriam com você? __ perguntou outro.

__ Não sei. __ respondeu Arélio com o coração disparado.

Arélio sentou na carroça e respirou fundo, tentando entender o que havia acontecido.

Não tinha feito nada para ser atacado por aqueles ciganos.

Aos poucos as pessoas se dispersaram e Arélio seguiu seu caminho, preferiu agora ir a pé para não chamar muita atenção. Desceu da carroça e foi puxando Ruffus pelo cabresto.

Arélio não ousou olhar para trás, com medo de que os ciganos aparecessem novamente.

A sensação que sentiu ainda o acompanhava. A sensação de frieza nos olhos dos ciganos e o brilho das facas ainda o incomodavam.

A rua da ponte terminava no pilar de mensagens. O pilar de mensagens era um grande tronco de madeira onde os moradores do vilarejo postavam mensagens, podiam ser de serviços, mensagens pessoais ou mesmo recados amorosos.

Arélio passou pelo pilar, olhou vagamente para o poste em busca de algo que pudesse lhe interessar e seguiu em frente.

Logo que passou pelo poste, Arélio foi surpreendido por Hans, que estava voltando após ter levado o recado a sua avó no moinho.

Arélio olhou para o lado e viu que Hans o encarava. Tentando evitar o olhar do cavaleiro ele olhou para baixo.

__ Que história é essa de que os ciganos tentaram prender você? __ perguntou o cavaleiro enquanto olhava para trás. __ Você não andou arrumando encrenca com essa gente? __ Completou.

__ Responda Arélio!__ gritou o cavaleiro irritado com a passividade com que Arélio levava a situação.

Antes que Arélio pudesse responder, Hans já tinha desmontado e estava em sua frente encarando-o.

__ E então, o que tem a dizer em sua defesa? __ perguntou Hans.

__ Eu não fiz nada. __ respondeu Arélio com a voz contida.

Por um breve momento apenas se encararam, cada um pensando no que poderia dizer.

__ Me perdoe por gritar com você.__ disse Hans colocando a mão no ombro do jovem. Enquanto baixava a cabeça para olhar bem para ele.

__ Sabe que fico irritado quando eles aparecem. Eu já fui um deles ...

Hans parou de falar e virou de costas para Arélio, lembrando de algo que gostaria de ter esquecido.

__ Não se preocupe. Eu estou bem!__ disse Arélio puxando o cavaleiro pelo braço.

O cavaleiro olhou para ele e suspirou:

__ Está bem. Vamos. Eu o acompanho até a torre da guarda. Mas só para garantir que você não se meta em outra confusão­__ completou ele com um sorriso no rosto enquanto montava novamente.

Arélio fechou a cara e respondeu:

__ Eu não arrumei confusão nenhuma. Foram aqueles ciganos que começaram tudo.

O que eles pensam que estão fazendo balançando aquelas facas de prata em plena praça?

O cavaleiro ouviu aquilo, como se ouvisse algo do qual não estava preparado. Mas preferiu não dizer nada a Arélio. Mas como nenhum outro morador do vilarejo ele sabia o que significava as facas de prata que os ciganos portavam.

A torre da guarda ficava em um prédio no centro da vila. Era uma antiga torre que fora adaptada para servir as exigências da guarda. Em seu piso inferior ficavam os estábulos e para se chegar aos andares superiores tinha-se que passar por ele.

Arélio não gostava do lugar, pois tinha a impressão de que era assombrado. E sentia arrepios quando estava no lugar.

Mas essa era apenas uma invenção que a mente e Arélio havia criado para afastar o verdadeiro medo que ele tinha daquele local. O problema que Arélio tinha com a torre eram os escudos reluzentes que existiam no lugar. Os aposentos da torre eram em sua grande maioria decorados com escudos. Esses escudos eram polidos e refletiam como espelhos. E Arélio fazia o possível para não ter que entrar na torre.

E não entrava. Esse fato gerava inúmeros problemas para Arélio, mas ele não ligava. Qualquer coisa era melhor que enfrentar os escudos.

Por sorte ele somente levava a carroça até a torre da guarda, mas eram os funcionários que carregavam os cestos.

__ Bom senhor arruaceiro chegamos. __ disse Hans desmontando do cavalo.

Arélio olhou para o alto da torre. A lua já havia nascido e iluminava a torre dando a ela um aspecto majestoso.

__ Vou levar Tarddos até os estábulos e mandar alguém levar os cestos. Não gostaria de entrar? __ perguntou Hans.

__ Não! __ disse Arélio ficando imóvel ao lembrar-se dos escudos.

__ Vou... vou ... vou ficar aqui esperando. Obrigado.__ completou ele finalmente.

Hans olhou para ele e sorriu achando graça. Mas não contrariou a decisão do jovem. Sabia do pavor que Arélio tinha com sua própria imagem.

Momentos depois ele estava de volta à porta, com seu costumeiro sorriso torto.

__ Já dei a ordem para que venham buscar os cestos. __ disse ele aproximando-se da carroça.

Hans ergueu a toalha que cobria um dos cestos e enfiou a mão para pegar um pão, mas se surpreendeu.

__ Andou provando os pães novamente senhor ilusionista? __ perguntou Hans franzindo a testa para o jovem.

__ Não, por quê? __ intrigou-se Arélio.

__ Então o que é isso? __ disse Hans mostrando-lhe um pão roído pela metade.

Intrigado Arélio foi até o cesto, mas antes que ele pudesse levantar a toalha que o cobria, esta se levantou sozinha e outro pão roído pela metade pulou para fora.

Arélio assustado afastou-se do cesto.

Novamente a toalha se levantou e outros três pães pularam sozinhos para fora. Um atrás do outro, como uma ninhada de marrecos que acaba de chegar à água. E todos os três pela metade.

__ Espere um momento.__ disse Hans indo em direção ao cesto sacando a espada. Seguido por Arélio vagarosamente ele ergueu a toalha que cobria o cesto.

__ Pan! __ disse Arélio entre a surpresa e a certeza de que aquilo era o esperado do guaxinim.

De alguma forma, Pan havia entrado novamente na carroça e se escondido em um dos cestos. E para caber nele tinha devorado quase a metade dos pães que ele continha. Embora Pan fosse um glutão ele só comia aquilo que lhe agradasse e, comeu apenas as partes dos pães que estavam mais clarinhas. Pan não gostava de pães queimados.

Quando Pan percebeu que o cesto não estava mais coberto e que Arélio o observava ele saltou para fora farejando Arélio como de costume. Esperando ganhar alguma guloseima. Mas o que ele ganhou foi um peteleco na cabeça.

__ De um jeito nesse guaxinim senhor Arélio. __ disse Hans com a cara fechada.

Pan olhou para Hans e fungou como um nobre que desdenha de alguém sem importância. Antes que Arélio ou Hans pudesse fazer algo o guaxinim saltou e correu para dentro do estábulo.

Arélio apenas sorriu sem jeito para Hans, sem poder fazer nada.

Não demorou muito e um guarda apareceu para levar os cestos de pães.

__ Pode levar a carroça junto. __ disse Hans dando uma ordem. __ Mantenha a carroça no estábulo até voltarmos. De água ao cavalo e um pouco de feno.

__ Sim senhor! __ respondeu o guarda puxando Ruffus para dentro.

Hans virou para rua respirando o ar da noite e começou a andar.

__ Bom, vamos até a praça Arélio!__ disse Hans batendo com a mão no peito para tirar as migalhas de pão da camisa que haviam caído nele quando Pan saltou do cesto.

Arélio olhou para ele, mas não disse nada, apenas engoliu o que pensou em dizer.

__ Não se preocupe, desta vez eu vou estar com você.__ disse ele sorrindo enquanto batia no ombro de Arélio.

__ Vamos ser devorados pelos ciganos senhor matador!__ completou Arélio ironicamente indo em direção a rua da praça.

Hans apenas franziu a testa e sorriu. Arélio sendo irônico era algo novo.

Do alto dos telhados Pan observava os dois com curiosidade. Assim que Arélio e Hans viraram a rua ele se pôs a segui-los.

A praça estava animada com dança e música. A madeira que havia sido cortada durante a tarde agora ardia em uma grande fogueira.

Sons e cheiros invadiam os sentidos daqueles que ali estavam. Mulheres em seus vestidos coloridos dançavam em volta daqueles que chegavam à praça. Como em um ritual, abençoando-os com seus lenços e pandeiros enfeitados com fitas reluzentes.

Bebida e comida eram servidas aos convidados pelos ciganos e moradores do vilarejo.

As pessoas andavam animadas, conversando e bebendo. Crianças corriam para lá e para cá. Fazendo de conta que estavam em uma aventura ou uma batalha.

Uma velha senhora em uma carroça acenou com a mão chamando Hans em sua direção.

__ Gostaria de experimentar um pouco de bebida meu rapaz? ­__ perguntou ela.

__ Posso garantir que nunca provou algo assim antes.

Hans tirou umas moedas do bolso e entregou a mulher.

__ Espero que seja algo divino minha senhora. Isto está me custando uma rodada no carteado dessa noite.__ disse Hans fazendo pouco da provável cerveja barata que a velha lhe serviria.

­­__ Não seja tão insolente Hans do Clã dos ....

Mas a velha parou de falar assim que viu o jovem junto dele.

__ Ora, ora. Está acompanhado então? __ perguntou ela serrando os olhos para Hans.

__ Vou pegar mais uma caneca. Aguarde um momento.

Arélio olhou para Hans como se quisesse dizer algo, mas esse apenas balançou a cabeça negativamente.

__ Aqui está desculpe a demora. __ disse a velha com duas canecas e uma pequena barrica em baixo de um dos braços.

__ Me ajude aqui meu jovem. __ disse ela para Arélio. __ Segure as canecas enquanto abro isso.

Com um pequeno punhal a velha tirou a rolha da barrica. Um aroma doce e perfumado encheu o ar quando o liquido rubro derramou nas canecas.

__ Que cheiro bom. __ disse Arélio.

__ O sabor é melhor ainda. __ disse a velha. __ Isso é vinho de ambrillís. Prove.

Arélio tomou um gole. O sabor do vinho era muito doce. Arélio não conseguiu distinguir os sabores da fruta. A bebida era forte e ele corou devido a sensação de calor que ela proporcionava.

__ Estiveram nas Florestas Geladas? __ perguntou Hans enquanto olhava para o liquido dentro da caneca.

__ Sim. __ respondeu a velha tapando a barrica. __ Já faz mais de dois anos que a caravana esteve no norte.

Hans olhou mais uma vez para a caneca e a bebeu de uma só vez.

__ Vamos Arélio. __ disse ele.

__ Obrigado pela bebida senhora.__ disse Hans de forma ríspida entregando a caneca a ela.

Arélio bebeu o resto da bebida e seguiu atrás de Hans.

__ O que foi aquilo lá atrás? __ perguntou Arélio.

__ Nada! __ respondeu Hans duramente.

Arélio achou melhor não perguntar mais nada a ele, pois sabia que era algo sobre o passado que Hans não queria lhe contar. Se ele o quisesse ele o faria por vontade própria. Concluiu para si mesmo.

__ Então o que vamos fazer? __ disse Hans olhando em volta, como se procurasse algo. __ Estou querendo jogar cartas. Estou sentindo que hoje estou com sorte.

Arélio olhou para ele e disse:

__ Eu não trouxe dinheiro. Estou apenas com uma moeda no bolso e não vai ser em uma roda de cartas que eu vou usa-lá.

__ Está bem. Eu irei jogar e você fica assistindo. __ disse ele olhando para o um canto da praça.

Arélio olhou para a direção em que Hans caminhava e avistou do outro lado da praça um grupo de homens que pareciam estar jogando cartas.

Caminhar pela praça não era uma tarefa fácil, era como andar em uma grande feira apinhada de gente de todo o tipo. Arélio não gostava muito de aglomerações, mas quando viu já estava seguindo Hans. Na praça se encontravam as maiores tendas onde o ciganos estavam reunidos. Tudo era muito colorido e exótico, mulheres e crianças o olhavam e apontavam quando ele passava.

Sem perceber Hans havia deixado Arélio para trás.

Arélio olhou para a direção em que havia visto os homens jogando cartas, mas não conseguia os ver mais. Em meio a multidão ele havia mudado o caminho sem perceber. Estava agora em meio a um corredor de barracas, com pessoas indo e vindo, ciganos em sua maioria. Uma sensação estranha tomou conta de Arélio, algo em seu intimo lhe dizia que ele não devia estar ali.

Colocando a mão no peito, sentiu o próprio coração disparado. Lentamente para que ninguém percebesse começou a voltar.

Em meio às pessoas uma lhe chamou a atenção. Uma menina, talvez não tivesse mais que oito anos, de cabelos negros arrumados em duas tranças com fitas vermelhas e verdes.

Ela olhava diretamente para Arélio, seus olhos pareciam duas esmeraldas brilhantes perdidas em meio as pessoas que passavam.

Por um instante os dois ficaram olhando um para o outro. No entanto a sensação que Arélio sentia em relação ao lugar ainda persistia e seu coração batia mais acelerado.

__ Olá. __ disse Arélio de forma tímida.

A menina apenas piscou e comprimiu os lábios, respirando de forma ofegante como se quisesse chorar. Arélio reparou que a menina carregava algo em suas mãos, enrolado em um veludo de cor púrpura. Lentamente Arélio deu um passo a frente para falar com ela. Foi então que ela ergueu o que estava segurando e apontou para Arélio. Como se fosse lhe entregar o que carregava.

__ Isso é para mim? __ perguntou Arélio a menina.

Com os olhos lagrimejando ela balançou a cabeça em afirmação.

Arélio esticou a mão tocando no tecido, mas antes que pudesse pegar o embrulho, em um movimento brusco a menina o puxou. Arélio assustando-se apenas agarrou o tecido temendo que ele caísse.

De dentro do embrulho a menina sacou um objeto de prata, de forma ovalada e brilhante. Um espelho de mão.

Ao ver o objeto nas mãos da menina Arélio congelou. Ele não imaginava que encontraria um espelho, não ali.

Rapidamente a menina virou o espelho para Arélio. A luz da lua refletiu no espelho atingindo seus olhos. Espantado com a cena ele não teve tempo de agir, tentando desviar seu olhar. Por alguns instantes seu olhar percorreu a superfície do espelho e ele viu alguém que não via a muitos anos. Ele mesmo.

Aquele instante pareceu durar uma eternidade, Arélio não acreditava que pudesse estar vendo seu reflexo, pois a anos, o reflexo de Arélio havia desaparecido dos espelhos.


Autor: Bruno Pedroso

Tema: Ilusionista, Meio-elfo, com medo do próprio reflexo.

Desafiante: Neto

5 comentários:

  1. Muito bom, não vejo a hora de ler o próximo capitulo!

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  2. Parabéns Petit.
    Seu conto é rico em detalhes, me fez reviver os bons tempos de RPG.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Eu achei ótimo, quero ver logo a continuação e tbm quer mais como esse! :D

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  5. Parabéns!
    Seu conto é ótimo!!!

    Gostei de como trabalha as palavras.
    Um misto de 'sombrio intimista' com 'vida simples detalhada'.


    Por favor, não pare de escrever!

    =)

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